O Grilo Vaidoso

Faz hoje uma semana que o Fado foi votado pela UNESCO Património Imaterial da Humanidade. Este motivo de orgulho nacional fez-me pensar no orgulho que cada português deve ter sentido quando soube da notícia; o orgulho de cada português fez-me pensar no orgulho pessoal de cada ser humano; o orgulho pessoal de cada ser humano fez-me pensar na vaidade, e a vaidade fez-me pensar no espelho.

Desengane-se, caro leitor. A introdução do post de hoje não se trata de um anúncio à popular loja de electrodomésticos. Trata-se, isso sim, do meu processo criativo. Há quem possa dizer que é um processo estúpido, e eu estou totalmente de acordo. Contudo, este método também é provido de um certo brilhantismo. Repare que fiz referência a um acontecimento recente e mediático, afastando eventuais críticas acerca da actualidade deste blogue. “E qual é a relação do espelho com esse acontecimento?”, contestará o leitor com impertinência. É uma relação de derivação, como ficou claramente demonstrado. “Já alguém lhe disse que tem a mania que é esperto?”. Já, caro leitor. E estavam todos redondamente enganados…
Falemos, então, desse estranho artefacto conformador de atitudes. O espelho atrai o ser humano até si e cativa-lhe o olhar. Se estamos perto de um, alteramos os nossos gestos e expressões e a imagem reflectida assume a pose do nosso alter-ego vaidoso. Se estamos longe de um, algo nos sussurra à consciência e nos impele a caminhar na direcção do nosso reflexo. É o Grilo Falante da vaidade. É o Grilo Vaidoso.
Pois se somos o Grilo Vaidoso, o espelho, nosso fiel companheiro, não está longe de ser o Pinóquio. O silêncio do espelho é indulgente e, sobretudo, mentiroso. Tivesse o adorado objecto capacidade verbosa e a resposta à pergunta "Espelho meu, espelho meu, haverá alguém mais belo do que eu?" seria, por certo, muito desagradavelzinha. Posto isto, e perante a minha escassez de mais alusões a filmes da Disney, parto para a conclusão.
Esclarecido que está o poder do espelho, alerto o leitor para que não se deixe enganar pelos murmúrios vaidosos da consciência. Para prevenir aborrecimentos, peço-lhe que memorize o seguinte aforismo: "A consciência é como um espelho…às vezes embacia".

Nota: o tema do presente artigo foi, de certa forma, sugerido pelo gentil comentário da leitora Ana S. –  http://ocelibatoeaaldeia.blogspot.com/2011/09/revivalismo.html?showComment=1318770869559#c7501385670060396088. Fica o agradecimento.

2 reacções a O Grilo Vaidoso

  1. Anónimo says:

    A vaidade é decorrente do orgulho, e a ele anda aliada.
    A vaidade, sorrateiramente, está quase sempre presente dentro de nós. Dela
    É muito subtil a manifestação da vaidade no nosso íntimo e não é pequeno o esforço que devemos desenvolver na vigilância, para não sermos vítimas daquelas influências que encontram apoio nesse nosso defeito. De alguma forma e de variada intensidade, contamos todos com uma parcela de vaidade, que pode estar a manifestar-se nas nossas motivações de algo a realizar, o que é certa­mente válido, até certo ponto. O perigo, no entanto, reside nos excessos e no desconhecimento das fronteiras entre os impulsos de idealismo, por amor a uma causa nobre, e os ímpetos de destaque pessoal, característicos da vaidade.

    Sonho que sou Alguém cá neste mundo...
    Aquela de saber vasto e profundo,
    Aos pés de quem a Terra anda curvada!

    E quando mais no céu eu vou sonhando,
    E quando mais no alto ando voando,
    Acordo do meu sonho... E não sou nada!...
    Florbela Espanca

    mas caro amigo,pensemos no espelho não como o mentiroso e eterno enagador, mas sim como o amigo que nos enche a alma e nos permite sonhar, aquele que não fere com as palavras e o único que não é cruel pois "mesmo a olhar, so vemos o que queremos".
    Obrigada pela nota
    Cmp
    Ana S.

  2. JS says:

    A vaidade assume um protagonismo exacerbado no mundo de hoje...É triste constatar que a aparência rodeia a mediocridade, e a valorização pessoal é baseada num preconceito vazio e desprovido de nexo. Porque isto não é um "mural", e aqui as lamentações não têm lugar, apenas agradeço a existência de uma pessoa que pense e brinque como o sr. brinca, e "cartonize" o dia-a-dia de um pais pequenino que nunca deixará de ser grande.

    Não há conselhos ou melhoramentos a fazer, continue a fazer e a escrever bom português...e de preferência de fazer "partir o coco a rir"..

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