Revivalismo

"Devo ter uma enorme quantidade de inteligência; às vezes até levo uma semana a colocá-la em movimento."

E assim, nas palavras de Mark Twain, fica explicado o motivo pelo qual os meus posts são semanais. “Que falta de modéstia!”. Engana-se, caro leitor. A modéstia, por acaso, até é a minha maior qualidade. A modéstia e a genialidade. Mas chega de falar de mim. Vamos falar dos outros que isso é que está na moda.

Tenho reparado, ultimamente, que prolifera na televisão portuguesa um sem-número de espaços dedicados à nobre actividade de falar da vida dos outros. E, de preferência, falar mal. “Televisão cor-de-rosa!” sugerirá o leitor. É uma sugestão um bocado parva, mas de certa forma adequada ao caso. A “televisão cor-de-rosa” – vou fazer a vontade ao leitor – parece ter vindo para ficar e tem sequestrado os canais da nossa TV, um atrás do outro. A minha primeira reacção a este fenómeno foi de repúdio e completa desaprovação, contudo, após uma séria reflexão sobre este assunto premente, apercebi-me de que, afinal, não se trata de futilidade. Trata-se de revivalismo.
Sim, caro leitor, revivalismo. Os brilhantes senhores da televisão estão a resgatar a velha tradição portuguesa das coscuvilheiras debruçadas à janela. Naturalmente, as coscuvilheiras evoluíram, desceram das janelas e instalaram-se confortavelmente em estúdios de televisão. Os aventais e as chinelas foram substituídos por vestidos de alta-costura e saltos agulha. A discrição da conversa em surdina já não é bem-vinda e todo o Portugal deve ouvir em alto e bom som. “Coscuvilheiras” tornou-se um termo anacrónico, e por isso agora são “comentadores”. O objecto de coscuvilhice também evoluiu. Já não se fala dos vizinhos, fala-se dos “famosos” – notáveis seres cuja utilidade à sociedade se está para descobrir. O pinga-amor lá do bairro já não é o padeiro. É o Cristiano Ronaldo.
Curiosamente, muitos destes espaços de discussão têm uma frequência semanal. Pelos vistos, também os ditos comentadores precisam de uma semana para pôr a sua grande inteligência em movimento. “Está para aí a falar, mas nos seus artigos também fala mal das pessoas!”. Com certeza, caro leitor. Mas eu não faço disso profissão.  

2 reacções a Revivalismo

  1. Ana S says:

    Boa tarde, deixo o meu comentário porque tornei-me seguidora assidua do seu blog e acho que todos deviamos deixar um pouco de nós por onde quer que passamos!
    Tornar a vida um grande acontecimento público é cansativo e é uma armadilha. Além de ser fake! Soa falso pelo simples facto de que ao nos mostrarmos para os outros, conscientemente, procuramos sempre exibir o nosso melhor lado e tendemos a esconder o nosso drak side! A falta de privacidade cria uma sociedade de espelhos de narciso. Já reparou que somos sempre mais bonitos ao espelho do que numa fotografia, por exemplo? Aprendi esse conceito nos tempo de faculdade e isso acontece porque o espelho reflete-nos tal e qual como nos imaginamos, o espelho mostra aquilo que queremos ver (além disso somos nós que pagamos o espelho), já a fotografia mostra-nos tal como somos de facto, com os nossos melhores e piores ângulos.
    Sou colaboradora de imprensa e por mais que me repugne tanta falta de gosto...é o nosso trabalho...mas sim o conceito de "coscuvilheira" por vezes é o mais adequado!

    Obrigada por partilhar estes textos conosco, continue!

  2. Antes de mais gostaria de agradecer a todos aqueles que têm tido a bondade e, sobretudo, a paciência de acompanhar ou comentar este blogue. É uma grande satisfação saber que algures por aí existe alguém a ler estas minhas divagações que, em condições normais, jamais abandonariam o reino do meu pensamento – lugar pequenino, limitado e de difícil leitura. Permita-me agora que me dirija a si, Ana S., dizendo-lhe que o seu comentário me fez lembrar uma expressão de Oscar Wilde: “o Homem não é tão autêntico quando fala na primeira pessoa. Dêem-lhe uma máscara e ele dirá a verdade”. Apenas a segurança deste “anonimato” nos permite revelar realmente o tal dark side! Sendo assim, sermos autênticos é, como disse muito bem, uma tarefa cansativa e talvez até impossível! E, já que chamei Wilde para a conversa, deixe-me responder à sua questão: o espelho é – felizmente! – infinitamente condescendente; já a fotografia é uma espécie de retrato de Dorian Gray e mostra, sem piedade, todos os defeitos que não nos lembrávamos de ter. A verdade, Ana, é que somos todos muito feiinhos, mas uns olham mais para o espelho, outros para a fotografia…pelo sim, pelo não, vou continuar a olhar para o espelho! Muito obrigado pelo comentário!

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